sábado, 5 de fevereiro de 2011

Lixo Extraordinário



NOTA: 10

Num 2010 extremamente produtivo para o cinema nacional com o lançamento de títulos como As Melhores Coisas do Mundo, Chico Xavier e claro, o fenômeno Tropa de Elite 2, “não dá pra entender “ o por que o Ministério da Cultura selecionou Lula, o Filho do Brasil como nosso representante ao Oscar 2011. Fora os interesses políticos, aconteceu o que era mais do que evidente: ele sequer foi pré-indicado.

E quando víamos mais uma vez o sonho de um Oscar tupiniquim ficar só na vontade, eis que uma produção estrangeira (daí as aspas no título) nos deu um pouquinho mais de esperança entrando como indicada ao prêmio de Melhor Documentário com o – sem redundância – extraordinário Lixo Extraordinário.

No documento, Vik Muniz, um dos mais respeitados artistas plásticos contemporâneos (foi ele quem fez a abertura de Passione), nascido em São Paulo e radicado nos EUA, desenvolve um projeto que visa englobar arte com ação social, vindo ao Brasil, mas especificamente em Duque de Caxias, criar uma série de trabalhos artísticos a partir de material reciclável do maior lixão do país, o Jardim Gramacho. Envolvendo alguns dos catadores do aterro no projeto, sua intenção fica clara: expor ao mundo a beleza da arte através de algo completamente desprezado pela sociedade, o lixo.

Sem as câmeras, esse projeto por si só seria espetacular. Mas transformá-lo num filme teve um quê a mais, pois além das obras em si, Vik e a diretora Karen Harley apresentam ao mundo não só a matéria-prima ignorada, mas uma classe igualmente ou até mais desprezada do que seu lixo: os catadores de material reciclável que ao vivo parecem invisíveis aos nossos olhos.

Focando na história de 6 personagens-reais, acompanhamos o dia-a-dia desse povo que mesmo vivendo no nosso lixo encontram diariamente a felicidade e a boa convivência, sendo um verdadeiro exemplo a nós. Lá encontramos desde a anciã que faz questão de diariamente preparar a refeição de seus colegas, até um jovem e visionário líder (Tião) leitor de Nietzsche e Maquiavel (tanto a comida, quanto os livros encontrados no lixão), uma sociedade que sabendo de seu desprezo e miséria se uniu e a partir do isolamento social conseguiu se consolidar como uma classe representativa e que quer ser ouvida, prova disso o protesto bem humorado em frente a prefeitura da cidade.

E após sermos realmente tocados pela história de cada um, ficamos ainda mais impressionados com o modo como os insights para as obras Vik vão surgindo, e eu não poderia deixar de citar a reprodução da Morte de Marat com Tião posando de modelo. E a partir do momento que todas as fotos foram tiradas e seus próprios modelos vão ao estúdio de Vik reproduzi-las, usando o lixo que recolhem como matéria-prima, numa alegria radiante, é inevitável misturarmos a alegria em saber o quanto o artista estava certo sobre seus objetivos o tempo todo, e a tristeza de saber que por melhor que fosse, aquele sonho uma hora iria acabar e todos retomariam suas vidas repleta de dificuldades.

Mas, independente de tudo, as obras finalizadas são sensacionais (digitem Vik Muniz, Retratos do Lixo, no Google) e realmente impressiona ver aquele trabalho de formiguinha ser concluído. E pra mim especialmente teve dois momentos que marcaram mais: o choro de Tião emocionado com a venda de sua foto por quase cem mil reais num leilão e a alegria quase infantil de todos os 6 participantes do projeto ao verem suas fotos expostas num museu.

Se Lixo Extraordinário vai ganhar o Oscar prefiro nem arriscar o palpite, até porque a maioria dos filmes que concorrem sempre chegam ao Brasil depois do evento. Mas com ou sem prêmio, a lição que o documentário deixa é o quanto simplesmente ignoramos coisas que tem um papel importante em nossas vidas. E por ignorar estou me referindo ao lixo, mas sobretudo às pessoas.

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