sábado, 31 de julho de 2010

O Bem Amado - Tão bom que dá vergonha assistir




Em ano de eleição não há nada melhor do que uma obra para refletirmos sobre todos os nossos erros (e são muitos) na hora de escolhermos nossos representantes. E não poderia existir uma obra melhor pra gerar essa reflexão do que O Bem Amado.

Adaptado do texto de Dias Gomes, o filme narra a história de Odorico Paraguaçu, um político nada ético, e sua saga como prefeito da pequena cidade de Sucupira que por uma estranha coincidência, tem início exatamente no mesmo dia em que Jango renunciou ao poder e o Brasil quase que viu antecedido o Golpe Militar (21/08/1961).


Até aí, absolutamente nada demais. Porém, dentro dessas quase duas horas de filme há um conjunto de perfeições que fazem de O Bem Amado algo ao mesmo tempo divertidíssimo, constrangedor e reflexivo.

A começar pela opção acertada do diretor Guel Arraes em não situar a história em dias atuais (embora para isso seria necessário apenas mudar cenário e figurino). Assim, ele consegue evitar que Odorico seja comparado a esse ou aquele político da atualidade, porque Odorico na verdade não é a cópia de um político só, mas sim uma metáfora de toda Política.


Falastrão, oportunista e corrupto, Odorico carrega consigo o que é mais presente na imensa maioria dos candidatos que conhecemos. Ele surge na história já se aproveitando para discursar sobre o caixão do antigo prefeito, seu rival político, e assim já iniciar sua campanha para substituí-lo. E é impressionante a cena em que ele dá conta de si e percebe que reclamando da longa caminhada feita para enterrar o prefeito em outra cidade (pois pasmem, Sucupira não possuía um) encontra não só o mote de toda sua campanha, como a justificativa para praticar todos os seus crimes. Sacrifica o povo e manipula bem os fatos para que tudo saia como planejado, exceto (pasmem novamente) o fato de já com dois anos de mandato nenhum sucupirense morreu para inaugurar o super faturado cemitério.

E nem na oposição encontramos algum consolo, pois embora Vladmir Castro quando está em público defenda todos os ideais políticos em prol da população, deixa claro em seus atos que na verdade nada mais quer do que estar no lugar de Odorico e se beneficiar do seu poder. O Bem Amado assim, é um filme sem nenhum protagonista, mas sim com dois antagonistas.

E se rimos dos discursos enfeitados e carregados de neologismos de Odorico, - que é magistralmente interpretado por Marco Nanini - sentimos vergonha ao mesmo tempo sabendo que se rimos é porque ele também está nos enganando e que do mesmo modo nossos políticos nos enganam rotineiramente.

Em toda a trama, o jornalista Neco é o único personagem sensato que tenta abrir nossos olhos e é sempre calado pelo pretensioso Vladmir Castro, uma alusão ao poder de moldar a opinião pública que a imprensa tem, usando O Trombeta única e exclusivamente como arma contra a prefeitura e auto-promoção. E todos os demais personagens são culpados, mesmo que pela sua ignorância. As irmãs Cajazeiras se deixam enganar por qualquer elogio e promessas baratas; Moleza (que representa o povo como um todo) muda sua opinião conforme seu interesse individual.

Zeca-Diabo, um personagem complexo e muito bem construído por José Wilker, talvez seja o único com algum senso de justiça, mesmo ao seu modo. Mas, se por um lado é satisfatório ver que ele desistiu de ser um assassino num momento que essa sua função era indispensável para Odorico (afinal seu nome verdadeiro é José Tranquilino dos Santos), por outro é triste saber que sua ignorância não permite que ele vá mais além do que isso.

E por fim, vemos que assim como no Brasil, em Sucupira a Política é cíclica, pois ao sair um “Coronel” vemos imediatamente outro igual assumir sua função. O Bem Amado, que tem seu título muito bem justificado em seu final, é uma comédia que busca brilhantemente nos envergonhar, por deixar escancarado o quanto somos cidadãos sucupirenses. Ainda há tempo para mudar e fazer com que O Bem Amado seja realmente só uma comédia de ficção.
NOTA: 10
CONFIRA O TRAILER

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