quarta-feira, 14 de abril de 2010

A Ilha do Medo



Por Lucas Rolim

Como é bom sair de casa para ir ao cinema já com grandes expectativas e ainda assim superá-las pelo filme visto. Pois foi exatamente essa a sensação que o novo filme de Martin Scorcese causa para quem espera apenas mais um filme policial com algumas características do cinema noir.



A história se passa nos Estados Unidos em 1954. Teddy Daniels (Leonardo DiCaprio) é um agente da polícia federal que, junto com seu parceiro Chuck Aule(Mark Ruffalo), é enviado a uma ilha onde há um presídio para criminosos com problemas mentais e de alta periculosidade, para investigar o desaparecimento de uma delas. Quando chega ao local medonho, os médicos e todo o corpo de policiais tentam dificultar seu trabalho, levando Teddy a suspeitar que há um esquema de corrupção e violência no local, desconfiando de que os criminosos são usados como cobaias de experimentos psiquiátricos.


Tudo parece simples e previsível, não fosse o paralelo que é feito por Scorcese com os sonhos do personagem principal. Teddy sonha constantemente com sua mulher, morta num incêndio criminoso, do qual ele se sente culpado por não tê-la salvo. Como não a tem mais no mundo real, a mantém presa no imaginário, sendo inclusive guiado por ela na sua investigação e recebendo a dica de que o seu assassino está preso na ilha. Assim, a trama começa a se dividir entre desvendar o desaparecimento de uma presidiária e se vingar do assassino da mulher.




O presídio em si é um personagem a parte. Surge com uma trilha sonora que parece nos guiar ao próprio inferno e quando cessa vemos que não estamos de todo errado: o local se mostra ameaçador, tenso e claustrofóbico. E é aí que a direção de arte faz um trabalho fundamental. Por fora o presídio possuí jardins com verdes vibrantes e paredes em vermelho. Mas por dentro o ambiente se mostra apertado, escuro, predominando o cinza e o preto, contrastando com momentos onde é amplo, porém com um branco cegante que nos deixa a beira da loucura.

Mas o grande mérito do filme é sem dúvida de Martin Scorcese. O modo como ambienta a trama, usando a trilha sonora de modo bastante eficaz e nem um pouco óbvio geram tensão e frustração. Na narrativa, a todo o momento ele parece nos guiar para a solução do mistério, pra logo em seguida nos despistar, como quando Chuck cai de um penhasco, indicando seu assassinato, sendo quebrado logo em seguida com as revelações feitas a Teddy pela médica refugiada Dr Rachel sobre a fidelidade e integridade do próprio amigo, nos levando a duvidar se ele está mesmo do lado de Teddy. Isso nos deixa a completamente perdidos por um bom tempo, e até mesmo o final pode parecer confuso para alguns. O diretor acabou guiando o espectador o tempo todo conforme sua vontade.



Di Caprio compõe um personagem interessante desde início. Duro, mas assim pelo massacre que testemunhou (e de outro que participou) como soldado na 2ª Guerra, expressando ao mesmo tempo uma aparência de eterno luto pela mulher: apático, descuidado com sua saúde e com um olhar vermelho e lacrimejante de quem ainda chora a perda. Contudo, ao longo da narrativa o policial duro começa a ceder a uma inquietação e explosões de violência conforme vem surgindo obstáculos, revelando tremores, alucinações e enxaquecas constantes. Não demora muito pra que sua aparência seja idêntica aos dos outros internos do presídio.



Ruffalo (Chuck) é eficiente como parceiro de Teddy remetendo nossa lembrança diretamente aos filmes noir. Reparem por exemplo na posição de seu queixo para um dos lados por todo o filme, parecendo um daqueles capangas caricatos da máfia italiana.
Ben Kingsley também faz um ótimo trabalho interpretando o mesmo personagem - o diretor psiquiátrico do presídio - com dois perfis totalmente distintos com o desenrolar da narrativa, sem praticamente perder o tom e postura iniciais. O mesmo não se pode dizer da artificialidade de Michelle Williams, como a mulher de Teddy.


O roteiro adaptado de Laeta Kalogridis também se mostra surpreendente. Já durante a investigação se revela bem complexo e bem construído, sendo esses dois primeiros atos já ótimos para encerrar o terceiro de forma previsível, porém fantástico. Mas a reviravolta que a narrativa dá (e que não será revelada aqui) o torna uma obra-prima digna de ser admirada e estudada mais de uma vez.
Embora tenha ressaltado minha euforia com minhas expectativas mais do que superadas com A Ilha do Medo, creio que seja difícil ele cair no gosto popular por não ser uma história tão fácil de entender. Esse é um ponto que pesa muito para que um filme faça ou não sucesso. Mas independente disso, A Ilha do Medo é um filme inteligente, complexo e reflexivo que com certeza vale muito à pena assistir.


NOTA: 10.0


CONFIRA O TRAILER (Legendado)




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