domingo, 4 de abril de 2010

Chico Xavier



Por Lucas Rolim
É sempre bom temos a oportunidade de ver uma personalidade brsileira como Chico Xavier ser homenageado, tendo sua história registrada nos cinemas e levadas a todos que o conhecem e para os que não conhecem, terem seu primeiro contato com a história desse homem que só pela sua filantropia já é magnífico em sua existência.

O filme conta a história de Chico desde seu primeiro contato com os espíritos na infância, passando pela sua vida adulta e até o episódio do caso José Divino, onde um assassino foi absolvido do crime graças a uma carta psicografada por ele, já velho. Boa parte do conteúdo da narrativa é retirada da sua participação no Pinga Fogo de 1971 na TV Tupi, uma espécie de Roda Viva da época, apresentado por Saulo Guimarães, excelentemente interpretado por Paulo Goulart.

Dirigido por Daniel Filho, o longa chega pra ser mais um estouro de bilheteria no Brasil. A começar pelo vasto elenco de atores globais: Nelson Xavier, Tony Ramos, Cássia Kiss etc. Embora seja uma tática excelente para lotar as salas de cinema contar com um elenco desse, a narrativa perde bastante dispersando o foco do espectador com os atores que surgem, em especial os que fazem apenas algumas pontas. Sem contar que isso confere um certo ar de novela ao filme.

Daniel acaba fazendo também uma certa confusão no que diz respeito a montagem do longa. Durante a entrevista, Chico cita alguns momentos de sua vida que vêm seguidos de um zapping (uma ponte para um suposto flashback) que leva a um momento de sua vida que não tem nada a ver com o que ele estava falando anteriormente, ficando duas coisas totalmente desconexas. Reparem quando ele é questionado sobre seu mentor, Emmanuel, ele começa a falar de sua influência e quando vem o zapping é contada a sua relação na infância com a madrasta. Quase 20 minutos depois de citar Emmanuel é que assistimos ao eu encontro com o mentor.

Um outro problema é que o roteiro de Marcos Bernstein ameniza todas as polêmicas que cercaram a vida do médium. Excetuando sua infância, onde vemos o quanto sofreu com penitências da igreja e torturas da madrinha, na vida adulta tudo é amenizado e mal explicado. Ele é processado por fraude e só depois de muito tempo sabemos os detalhes desse processo, mas não os detalhes de seu desfecho. O padre Júlio, interpretado por Cássio Gabus Mendes, surge como um inimigo declarado de Chico, indicando que haverá uma batalha severa contra ele por parte da Igreja e, no entanto, vemos o Padre pregar para um número mínimo de fiéis na frente da casa de Chico, sem que ninguém dê ouvidos e passando por ridículo, sendo que quem conhece a biografia do médium sabe o quanto a Igreja lutou para desmoralizá-lo diante do povo e quase conseguiu muitas vezes. Esses são somente alguns dos muitos exemplos que vou economizar nessa crítica.

Mas apesar dessa falha, é importante frisar que é muito inteligente o trabalho feito sobre a personalidade do médium, não optando por mostrar um homem que vive só pela religião, mas muito pelo contrário, um sábio nos mais diversos assuntos mundanos e sem despontar em nenhum momento para o fanatismo religioso, a ver pela cena em que ele dá a sua visão sobre o que é o sexo para o Espiritismo.

Agora, há uma cena no longa que quero destacar porque mostram o quão geniais e criativos são alguns de nossos diretores que com pouco orçamento fazem trabalhos fantásticos. É a cena da transição de Chico da infância à fase adulta num único plano no cemitério, onde Daniel Filho faz um plano detalhe em sua caminhada para efetuar o processo. Veja nessa cena o quanto muda a paisagem da serra de Pedro Leopoldo em tão poucos anos. Na sua infância ela é praticamente toda verde, com algumas casas salpicando cenário, na fase adulta as casas tomam conta de toda serra, tornando o cenário mais sufocante e mostrando o rápido crescimento urbano desse período. Pode parecer óbvio, mas muitos diretores deixariam passar esse detalhe.

Mas o ponto alto da narrativa mesmo é o trabalho dos três atores que interpretam Chico Xavier: Matheus Costa (criança), Ângelo Antônio (adulto e Nelson Xavier (velho). A semelhança entre Nelson e Chico é impressionante, parecendo até que não haveria espaço para que outro ator o interpretasse. Matheus também, apesar de muito novo, é o único que nos garante o verdadeiro sofrimento que Chico passou na sua vida, a ver pela pedra pesada que ele teve que carregar na cabeça numa cena de penitência.

Porém, das três atuações, a de Ângelo é sem dúvida a melhor. Como é bom poder trabalhar com um ator de extrema competência que encara sem medo seu papel. Só para citar um exemplo, vou destacar a cena de sua primeira psicografia: seu trabalho corporal, que escreve muito rápido, faz movimentos bruscos e deixa claro o quanto aquilo está consumindo sua energia sem apelar para nenhum exagero.

Um outro ator que merece destque é Luís Melo, no papel de pai de Chico. A cena em que um de seus filhos morre é tocante ver seu sofrimento. Apesar da ingenuidade em relação a mediunidade do filho e a revolta dos poderes do mesmo não trazerem retorno a sua família, Luís interpreta um personagem carismático na sua simplicidade, sendo essas explosões, apenas situações momentâneas de desespero e de desejar um futro melhor a quem ama sem saber como fazê-lo.

Quanto a segunda trama, a do casal Garcez, não vou entrar em muitos detalhes, senão vou revelar muita coisa pra quem não viu o filme ainda. Só quero frisar o erro e o exagero em mostrar o personagem de Tony Ramos a todo o momento. Cada vez que ele aparece nos estúdios do Pinga Fogo, suas falas que muitas vezes são dispensáveis, se sobressaem as de Chico impedindo que o espectador ouça quem é mais interessante de se ouvir no momento, ou seja, o médium.

Por fim, o que se espera quando se vê um filme de uma personalidade tão polêmica quanto foi Chico Xavier é sempre sair da sala apto a discussão pró ou contra o papel que desempenhou na sua vida e na sociedade. No entanto, Daniel nos tira essa oportunidade, enfatizando só as rosas de seu caminho e ocultando os espinhos. Mas de qualquer forma, só de contar a história desse homem admirável e um exemplo para todos, o longa mais do que vale a pena.


NOTA: 7,0

CONFIRA O TRAILER

Nenhum comentário: