domingo, 28 de março de 2010

O Livro de Eli


É impressionante como o fim do mundo parece ter contaminado o cinema de Hollywood. Nos últimos anos, vimos sua destruição (ou tentativa de) várias vezes. Filmes como Guerra dos Mundos, 2012 e Eu Sou a Lenda, sem contar com A Estrada que ainda vai estreiar, são só alguns dos muitos exemplos. Seja apontando desastres naturais, pandemias ou guerras, o tema central acaba sempre sendo o mesmo.

No filme dos irmãos Hughes não é diferente. Em O Livro de Eli, Denzel Washington interpreta Eli, um andarilho que trás consigo um único exemplar da Bíblia Sagrada vagando por todo um mundo pós-apocalíptico, onde o homem regressa a uma condição primitiva devido ao excesso de luz solar, derivada de uma explosão- metáfora à razão - que os cegou e destruiu, invertendo a ordem das coisas, onde o rato come o gato, e as trocas comerciais se fazem com escambo.

No entanto, seu livro, única fonte de salvação daquela civilização, é alvo dos interesses de um decadente mafioso interpretado por Gary Oldman, Carnegie, querendo usar a Bíblia como ferramenta de poder e dominação. Isso gera uma discussão interessante em relação à função dicotômica da religião na sociedade, desempenhando tanto o papel de destruição, quanto de salvação.

Com um roteiro de Gary Whitta pobre e muito falho na sua dinâmica e de certa forma bastante previsível, a narrativa tem até sua metade muita ação fazendo crer que será inteira de tirar o fôlego. Mas daí pra frente há um completo estado de estagnação, parecendo que de um filme de ação, repentinamente se torne um culto religioso. Outro detalhe, a suposta guerra que destruiu todo o planeta Terra foi iniciada devido ao poder maquiavelicamente exercido pela Bíblia, fazendo com que todos seus exemplares (exceto o de Eli) fossem destruídos. Porém, é difícil de engolir que uma instituição falida como a Igreja Católica, repleta de escândalos sobre pedofilia, tenha iniciado uma guerra, uma vez que seu poder hoje em dia está muito aquém do poder que exercia até a Idade Média.

Mas para compensar a história fraca, há um trabalho magnífico em conjunto com a cenografia e a direção de arte do longa. A destruição do mundo foi tão intensa, carbonizando e poluindo tudo que mesmo filmado a cores o filme parece na maior parte do tempo ter sido filmado em preto e branco. Além disso, nas cenas de ação é feita a opção genial de usar o mínimo de cortes, enfatizando mais os combates em planos longos ao invés de tentar iludir o espectador tentando mostrar tudo e todos ao mesmo tempo. Observe na cena do combate do bar, como a câmera dá um giro em torno de Eli num único plano de toda luta, mostrando-o de todos os ângulos, ao invés de esgotar a cena com uma série de cortes secos.


Quanto a cenografia, talvez seja um dos pontos mais quentes do filme. As paisagens surrealistas criadas em computador são vastas e parecem não ter fim, tornando tudo uma coisa só. Reparem por exemplo, na cena em que Solara está caminhando sozinha na pista, logo depois de escapar de uma caverna: por mais que ela ande, nos dá a impressão de que não sai nunca do lugar. Também os poucos lugares habitáveis, são escuros, destruídos e tortuosos, com fortes características expressionistas. Isso sem falar na cidade dominada por Carnegie que lembra muito as pequenas cidades no meio do nada do Velho Oeste.

O mesmo não se pode dizer dos personagens. Eli parece até interessante no começo, roubando as botas de um cadáver, já deixando bem claro que trata-se de um anti-herói (inclusive nessa cena, um tropeço na sala nos dá uma pista de sua condição física que só será revelada no final). Também é impressionanate o quão sensorial e rápido ele é, evidenciado pela primeira cena de ação do longa, onde ele fareja os bandidos e os derruba numa questão de segundos (quem conseguiu enxergar ele cortando a mão do ladrão?). Impressiona também sua crueldade, pois não há uma razão explícita para matar lentamente um homem sem uma das mãos e, a partir de então, inofensivo. Porém, passadas as cenas de ação ele deixa de ser interessante, pois o roteiro não permite mais isso, preferindo torná-lo uma espécie de Moisés que é guiado pelo oeste há 30 anos (como é grande os EUA) por uma misteriosa voz do além, numa missão divina.

Solara então é uma personagem cuja única função no filme inteiro foi revelar a Carnegie que Eli portava a Bíblia, fora isso ela não fez mais nada, ou seja, ela é totalmente descartável na narrativa.

Já Carnegie sim é um personagem interessante. Surge lendo a biografia de Mussolini, evidenciando seu papel naquele contexto. Se porta imponente perante todos, mas rapidamente percebemos o quão fraco e dependente ele é de todo mundo. Não faz nada sem a ajuda de seus capangas e precisa torturar quem está a volta para chantagear quem está por perto e atingir seus objetivos. Conhecedor das poucas fontes de água daquela região, ele escraviza quem está a sua volta em troca desse que é o maior tesouro daquele tempo. Reparem no sorriso tímido que seu braço direito, Redgrave, dá pouco antes de morrer, num gesto de gratidão por estar se libertando de seu capataz. Outra cena interessante é o quanto ele se humilha a sua escrava depois de ter uma surpresa muito desagradável com a Bíblia que ele finalmente conseguiu tomar de Eli.

E o mais curioso do filme é o fato de o local da salvação do mundo ser exatamente um dos presídios mais famosos da história: Alcatraz. E, a Bíblia sendo impressa no tipógrafo é uma clara alusão à Guttenberg e sua revolucionária invenção, numa metáfora do recomeço daquela civilização. Quer dizer, recomeço até mais um "super-criativo" roteirista resolver destruir o planeta novamente.

NOTA: 5

CONFIRA O TRAILER (legendado)



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