sábado, 20 de março de 2010

Coração Louco


"Passei a maior parte da minha vida da minha vida bêbado". Essa frase que comove e que é tão presente de Bad, nos mostra o quão triste é ver muitos dos nossos ídolos disperdiçarem uma vida inteira em função do vício, jogando seu talento e a capacidade de fazer do mundo um lugar melhor no lixo.

No filme, Jeff Bridges interpreta o cantor de música country Bad Blake, que fez muito sucesso no passado, mas que agora foi derrotado pelo consumo excessivo de álcool. Sua vida se resume a viajar de cidade em cidade com seu carro velho e tocar em bares minúsculos para um público que já está no fim da vida. Sua frustração com a carreira decadente e com o sucesso feito por seu discípulo, fazem de Bad uma pessoa medíocre e auto-destrutiva a começar na cena em que ele abandona um show na metade para vomitar de tão bêbado que estava. Porém, tudo isso começa a mudar quando ele se apaixona por uma jovem repórter chamada Jean, intepretada por Maggie Gyllenhaal e , inspirado por ela, começa a compor novamente.

Escrito e dirigido pelo iniciante Scott Cooper, o filme tem trilha sonora cantada pelos próprios atores, deixando o público mais envolvido com a narrativa. Também é interessante como Bad é mostrado no início do filme: quando está viajando, os planos são abertos, mostrando a aridez dos cenários no sul dos EUA onde ele sempre está sozinho frente a toda aquela imensidão, resumindo daí o que se tornou sua vida. Nos shows, ele trabalha com planos médios, mas mais primeiros planos, mostrando um homem cansado e derrotado, gerando pena no espectador. Reparem que sempre enquanto Bad está se apresentado Cooper faz um corte seco para algum lugar árido, onde Bad está solitário e em alguns casos em situaões medíocres (sempre bêbado!).

Porém há duas falhas graves na sua direção: Primeiro é o uso obcecado de primeiro e primeiríssimo plano nos personagens em quase todo o filme. Tudo bem que há momentos geniais nisso, como quando Bad está caminhando entre dois ônibus do show de Tommy Sweet e podemos ver o quão pequeno ele é perto de seu discípulo. Mas no geral, seus planos não somam muito à narrativa. O segundo problema é o modo artficial como ele trabalha os personagens: a transformação repentina e artificial que Bad tem ao ver pela primeira vez o filho de Jean. E pior, a função de quase um deus ex machina que Wayne (Robert Duvall) tem na narrativa.


O que há de mais genial na direção de Scott é a falsa ideia que ele nos dá sobre o perfil de Tommy Sweet. Até ser apresentado ao público, a descrição dada a todo tempo por Bad, nos passa a sensação dele ser um egocêntrico e usurpador da carreira de seu mentor. Contudo, quando nos é finalmente apresentado, Tommy Sweet(Colin Farrell) se mostra (como diz o próprio nome) uma pessoa doce, devota e grata a Bad e talvez seu maior fã. Daí vem a prova de que foi Bad e seu vício os maiores responsáveis pelo seu declínio, sendo Tommy alguém que ele escolheu para culpar.

O seu roteiro porém apresenta falhas graves: é completamente inexplicável o desaparecimento do filho de Jean, Buddy, e o modo como ele é encontrado, ou seja, Scott só criou essa cena para ter um motivo para separar Jean de Bad (num plano eficaz onde cada um está sentada de um lado do quadro no hotel) e para impulsionar Bad a se tratar de seu vício. A impressão que dá é que se nada disso tivesse acontecido, eles nunca se separariam e Bad seria pra sempre um alcoólatra. Também na recuperação de Bad na clínica - a parte mais difícil para todo dependente - não vemos nada de seu tratamento, somente ele entrando viciado e saindo curado.

Mas apesar das falhas de direção e roteiro, a atuação de Jeff Bridges acaba contrapondo como o ponto quente da narrativa. Já na apresentação do personagem, onde ele aparece xingando e blasfemando já vemos sua insatisfação com a vida. Além disso, toda a revolta que dá quando o vemos bêbado se apresentando é transformada em comoção quando logo em seguida o vemos em quartos de hotel escuros e clautrofóbicos, abandonado e bêbado. E Jeff se aproveita disso trabalhando sutilmente a evolução de seu personagem que quando menos percebemos, Bad Blake (agora Otis Blake) se transformou em outra pessoa. Cito por exemplo, o fato de quando ele não está com uma guitarra na mão, está com um copo de McCluher Whiskey - onde vemos o quão talentoso ele é e logo em seguida seu principal obstáculo, a falta de auto controle - e como no futuro ele tem a maturidade de reconhecer seu problema e se entrgar a uma recuperação. Também quando logo em seguida ele leva um fora de Jean onde um primeríssimo plano nos faz pensar que ele se entregará novamente ao alcóol, e mais uma vez somos enganados vendo ele organizar sua casa desarrumada, uma metáfora da organização que esta fazendo em sua vida. E como não se comover quando encontra uma camiseta do pequeno Buddy com o símbolo do SuperMan, mostrando o herói que aquela criança foi para sua recuperação.


Mas há os méritos de Colin Farrell também. Apesar de ser um ídolo, Sweet é devoto e eternamente grato ao seu mentor se mostrando mais preocupado em ajudá-lo do que se beneficiar de suas músicas. E nas duas cenas onde ele entra para apresentar seu show é possível ver uma expressão de nervosismo de um novato em seu rosto, por se sentir um amador perto de seu mestre, além de ser muito humilde. E é essa humildade que faz dele um sucesso. Observem a cena em que Bad abre seu show: quando ele toca, a câmera faz um giro em suas costas, mostrando uma platéia que embora esteja lotada é mostrada totalmente escura, não sendo possível ver nem quem está na primeira fila. Mas quando Tommy toca, o mesmo giro é feito e a mesma plateia é apresentada iluminada, em volume e em coro pelo seu ídolo. Bad não aceita e Sweet não reconhece, mas Sweet é o melhor dos dois.

O mesmo não se pode dizer de Maggie Gyllenhaal que interpreta sua Jean de modo comum e nem um pouco envolvente. Em nenhum momento nos passa a sensação de alguém que realmente sofre pelo que passou com os homens em sua vida, a ver pela velocidade em que se entrega a Bad. Mas o pior de todo o filme é Robert Duvall que surge sem mais nem menos com seu Wayne somente nos momentos onde faz "mágicas" na vida de Bad e salvando sua vida, seja com conselhos, seja levando a uma clínica de tratamento.

Mas independente das falhas no roteiro e direção, o interessante do filme é entender o quanto o vício e o exagero podem ser fatais em nossas vidas sem que a gente se dê conta disso, preocupados apenas com nosso presente e pensando num futuro utópico que não acontecerá. Entretanto, também ficamos com a sensação que, com um passo de cada vez e reconhecendo nossa culpa, podemos nos reerguer e seguir em frente, mas é inevitável que deixemos cicatrizes no caminho.


NOTA: 7


Por Lucas Rolim

CONFIRA O TRAILER (legendado)




Nenhum comentário: