sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Django Livre



 Nota: 10

Poucas coisas me deixam mais ansioso do que a estreia de um filme de Quentin Tarantino. E o melhor de tudo é que não importa o quão grande sejam minhas expectativas, essa verdadeira lenda viva que é Tarantino sempre consegue superá-las. Em Bastardos Inglórios ele extasiou o mundo proporcionando uma merecida vingança judia ao terror nazista. Agora, em Django Livre é a vez dos escravos americanos darem o troco sobre o domínio de seus capatazes.

Ambientada no velho oeste americano há dois anos do início da Guerra Civil (que culminaria na alforria da escravidão na América), Dr. King Schultz é um dentista que há cinco anos deixou de exercer a função para se dedicar há um novo emprego: o de caçador de recompensas. Numa de suas caças, ele precisava de alguém que conheça os irmãos Brittle, três procurados dos quais ele sequer sabia como era o rosto. O único que pode ajuda-lo nessa tarefa é Django, um escravo que tem um doloroso passado causado pelos três irmãos: sua esposa foi tirada de si e vendida para outra fazenda. Django e Schultz logo ficam amigos e o dentista/caçador propõe ajuda-lo a recuperar sua mulher, Brünhilde, agora escrava na fazenda Candyland, propriedade do excêntrico e perverso Calvin Candy.


O roteiro, escrito pelo próprio Tarantino, é empolgante logo em seu início, com a cena da compra (se é que é possível chamar aquilo de compra) de Django que gruda qualquer um na poltrona. Além disso, essa cena inicial já contém duas das mais famosas marcas de Tarantino, presentes em diversas outras cenas: seus diálogos longos, inteligentes e reveladores, e sua típica violência exagerada, com tiros que explodem cabeças e fazem suas vítimas voar muitos metros de distância.

Alguns detestam isso no diretor, eu amo. Pra mim não há exagero nas suas cenas violentas. Acredito que Tarantino as elabore exatamente do modo como nós enxergamos qualquer cena do tipo em nosso cotidiano. Para exemplificar, imagine que você presencie uma briga entre dois homens muito fortes, se um golpeia o outro com tamanha força que este recua com o golpe, dificilmente você ou qualquer outra pessoa vai descrever esse evento exatamente do jeito que eu descrevi agora. O mais provável é que seja dito “ele deu um soco no cara que ele voou longe”. Bom, assim é o cinema de Tarantino.

Não bastasse isso, o filme é recheado de cenas antológicas, como a surra de chicote que Django, um escravo, dá em seu antigo feitor. Uma discussão cômica dos membros do primórdio da Ku Klux Khan sobre sua mascara que não permitia enxergar nada, mas que ainda assim deveria ser usada para, segundo um de seus integrantes, não perder seu sentido. O desfecho da historia também é eletrizante e coroa todo o excelente trabalho feito até então.

Outro ponto forte do diretor é sempre contar com um elenco excelente em suas atuações. A começar pelo protagonista, vivido por Jamie Foxx, ousado e nas suas próprias palavras, intrigante sempre desconcertando seus algozes. A voz suave de Foxx mantém oculto o terror que Django representa em ação. Não bastasse isso, sua caracterização como a barba projetada pra frente, salienta ainda mais sua ousadia, ou petulância como preferem os brancos da época.

Christoph Waltz prova que de fato é um ator brilhante, sendo genial do começo ao fim. Um ex-dentista alemão que despreza a escravidão (logo um alemão!), agora caçador de recompensas e, sobretudo um gentleman que nunca perde à postura agindo sempre da lei, independente da crueldade, e o máximo de formalidade, reforçado pela sua fala tão complexa que confunde quase todos os que contracenam com ele, resultado de ter o inglês como sua segunda língua, o que garante muitas cenas hilárias, como sua primeira aparição para “parlamentar” com dois compradores de escravos.


Mas apesar do seu desempenho fantástico, ninguém supera a melhor atuação da vida de Leonardo DiCaprio. Calvin Candy é o típico playboy mimado que na ausência de algo útil a fazer, usa toda a sua fortuna e crueldade para encontrar algum sentido pra sua existência, no caso, uma versão a la UFC de briga de escravos. Candy (que nome sugestivo) é adepto da frenologia, uma pseudociência que diz ser possível determinar o caráter, grau de criminalidade e personalidade de uma pessoa através do formato de sua cabeça. Uma imbecilidade que faz Candy se sentir intelectual, e ele prova que é tão imbecil quanto sua ciência numa demonstração que talvez seja a melhor cena do filme e da carreira de DiCaprio. Assim como Django, sua composição também fala muito da sua personalidade. Os dentes escuros, de quem já comeu doce demais, dá o ar sombrio e tenebroso que o personagem esconde sob seus bons modos. A cabeça sempre inclinada e o mesmo cavanhaque pontudo e saliente mostram o quanto ele despreza tudo a sua volta e se coloca acima de qualquer pessoa. Uma atuação de gênio, desprezada pelo Oscar.


Django Livre é um ótimo exercício de inversão de valores que Tarantino leva às telas, assim como fez com Bastardos Inglórios. E só pra variar um pouco, mais uma vez ele fez uma obra prima tão envolvente a ponto de fazer passar bem rápido suas quase três horas de duração.

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