segunda-feira, 18 de abril de 2011

Cópia Fiel

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Nota: 10

Crítica escrita por Pablo Villaça e publicada originalmente no site Cinema em Cena.
Em Cópia Fiel, seu mais novo longa, o cineasta Abbas Kiarostami adota uma estratégia narrativa intrigante e surpreendentemente eficaz: depois de estruturar a primeira metade da projeção salientando o realismo e o naturalismo da situação e da dinâmica entre os personagens, ele altera a lógica interna do filme na metade final de forma sutil, mas inequívoca, passando a investir num tom que flerta com a fantasia ao estabelecer um fascinante jogo de cena envolvendo a dupla principal. E se uso a expressão “jogo de cena”, é porque há muito da exploração feita pelo brasileiro Eduardo Coutinho em seu longa de mesmo nome na temática aqui explorada por seu colega iraniano.

Com roteiro do próprio diretor, o filme tem início com uma palestra ministrada pelo escritor James Miller (Shimell), que acaba de lançar um livro que defende a importância das réplicas de obras de arte na cultura de modo geral. Presente no evento encontra-se a personagem vivida por Juliette Binoche, que, dona de uma galeria, parece se encantar pelo sujeito, oferecendo-se para levá-lo a um passeio pela Toscana antes que ele parta da Itália. Discordando de certos aspectos defendidos pelo autor em sua obra, ela inicia uma discussão enquanto visitam museus e restaurantes, até que, eventualmente, algo curioso ocorre e eles passam a agir e a conversar como se fossem um casal com 15 anos de matrimônio.

Mas por que eles adotam este comportamento? A possibilidade de que sejam mesmo casados e estivessem apenas se entregando a algum tipo de jogo de sedução torna-se implausível quando nos lembramos de que o filho pré-adolescente da mulher não conhecia o escritor e que tal elaboração seria artificial por natureza. Por outro lado, é perfeitamente possível que ambos passem a interpretar o papel de casados intencionalmente num exercício psicológico ou intelectual depois de assim serem vistos pela dona de um café – mas mesmo esta interpretação exigiria um grande esforço de imaginação em função da maneira abrupta com que a transição ocorre.

Assim, resta uma terceira – e, acredito, mais lógica – possibilidade: a de que os personagens assumam uma dinâmica diferente porque se tornam figuras diferentes cujas histórias passadas combinam elementos de ambas as realidades. E esta alteração ocorreria simplesmente por ser fundamental para a discussão que Kiarostami quer propor (e que Coutinho abordou em seu longa): a de que nossa percepção sobre os personagens (ou sobre a arte de modo geral) não é ou não deveria ser afetada pela constatação de sua irrealidade. As idéias que o filme e o casal apresentam, assim como seus conflitos pessoais, são dramaticamente eficazes e relevantes mesmo que sejam falsos por natureza – e sempre são falsos, já que estamos falando, afinal, de uma obra de ficção, independentemente da versão do casal apresentada pelo filme.

No entanto, para que esta discussão funcionasse, era imperativo que os espectadores fossem surpreendidos pelas mudanças experimentadas pelos personagens – e é aí que o cineasta demonstra sua inteligência ao estabelecer uma lógica consistente durante a primeira hora de projeção apenas para puxar o tapete sob o público em seguida. Para isso, Kiarostami concebe uma narrativa calcada no naturalismo em seus mínimos detalhes, das pausas embaraçadas feitas pelo escritor quando suas piadas não provocam os risos esperados na pequena platéia até a forma com que Binoche esbarra sua bolsa no rosto do sujeito ao removê-la do banco do carro para que ele possa se sentar.

Da mesma forma, o diretor emprega longas cenas que, criadas a partir de planos extensos e estáticos, conferem um ritmo realista às conversas, que também revelam fluidez graças às performances minimalistas, mas precisas, da dupla central: observem, por exemplo, como Binoche completa a piada que Shimell contava a fim de ilustrar um argumento ou o jeito com que interrompe uma frase para reclamar de um pedestre que cruzou à sua frente e certamente constatará a estratégia do cineasta e de seus atores – especialmente ao contrastar estes momentos com outros que ocorrem na segunda metade do filme, quando as performances se tornam mais intensas e exibem propositalmente muletas de interpretação como uma lágrima que escorre solitária pelo rosto da atriz ou a arrogância agressiva com que o ator trata um garçom.

Aliás, não é só o estilo de atuação que sofre mudanças neste ponto da narrativa, mas a própria essência dos personagens: se inicialmente Binoche se mostra insegura diante do escritor e até mesmo reverente (“Não acredito que está em meu carro!”), eventualmente passa a tratá-lo com agressividade e cobranças. Além disso, a quase obsessão de sua personagem com o valor intrínseco de experiências (ou obras de arte) “reais” gradualmente evolui para uma intensa amargura até culminar numa carência emocional óbvia. Em contrapartida, se o escritor a princípio apresenta-se como um homem contido e seguro que valoriza – mesmo que apenas racionalmente – a idéia de “curtir a vida”, esta postura acaba se metamorfoseando em uma atitude ressentida, raivosa e de incontestável imaturidade e egoísmo. Se estas mudanças soam radicais – e são -, é porque, vale repetir, os próprios personagens estão mudando e assumindo novas histórias e personalidades levemente diferenciadas – e é admirável o controle que Binoche e Shimell mantêm em suas atuações, considerando a complexidade da tarefa exigida pela própria estrutura da narrativa.

Mas Cópia Fiel também é admirável em seus aspectos formais, já que Kiarostami freqüentemente concebe seus quadros não só de maneira econômica, mas intensamente evocativa, carregando-os de simbolismos e metáforas. Em primeiro lugar, é notável a lógica visual que ele adota para indicar de forma sutil as pontuações da estrutura; os instantes exatos em que os personagens experimentarão as já discutidas alterações em suas histórias/personalidades/facetas – algo que ocorre justamente nas cenas em que o casal, durante certas discussões, olha diretamente para a câmera e, conseqüentemente, para o espectador. De forma similar, é impossível não se encantar com composições como aquela que mostra o escritor admirando uma moto enquanto vemos Binoche, refletida no retrovisor, questionando estranhos sobre a beleza temática de uma escultura, já que isso espelha justamente as características da dupla naquele momento: ela, romântica e carente; ele, auto-centrado e sempre disposto a partir.

E mais: é curioso notar também como Kiarostami freqüentemente enfoca a dupla interagindo com outros casais (particularmente um recém-casado, outro que parece ter duas ou três décadas de matrimônio e um terceiro já idoso), já que estas duplas acabam refletindo diferentes estágios e facetas da relação mantida pelos protagonistas. Isto fica ainda mais claro quando o escritor é visto diante de uma janela que expõe, ao fundo, a celebração de um casamento – em outras palavras, mais uma projeção de seu passado ou apenas de mais uma versão deste.

Porque, no fundo, não importa se o que estamos vendo são os mesmos personagens que iniciaram a narrativa ou não, já que, de uma maneira ou de outra, todos são projeções ficcionais construídas por Kiarostami. Refletindo o próprio tema discutido no livro visto no filme (e que dá título a este), as diferenças entre original e cópia são negligenciáveis; o que importa de fato é a percepção que temos da obra (ou, no caso, dos personagens) e a maravilhosa reflexão que esta nos inspira.

Trailer

domingo, 17 de abril de 2011

Rio - Um belíssimo cartão postal e...só!

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Nota: 5

É um imenso orgulho para nós saber que um dos maiores gênios da animação digital no cinema seja um brasileiro. Sim, estou falando de Carlos Saldanha, o diretor que “nada a mais, nada a menos” criou todo o mundo de A Era do Gelo. E é claro que não havia nada mais justo e coerente do que o Brasil ser homenageado nas telas por um conterrâneo. Porém, é igualmente uma pena saber que Saldanha fez um filme que qualquer diretor estrangeiro preguiçoso faria, ou seja, carregado de estereótipos. E acreditem, não estou exagerando.

Em Rio, Blu é uma ararinha azul que raptada ainda filhote vai parar acidentalmente na gelada cidade de Minnesota (ou Not Rio, como nos é apresentada), sendo adotada pela jovem Linda, dividindo toda uma vida com ela até que numa viagem ao Rio de Janeiro, Blu junto a novos amigos entram numa série de aventuras pela Cidade Maravilhosa.

O grande incômodo para nós em Rio é ver que mais uma vez o Brasil foi basicamente retratado como um país onde parece que nossa única preocupação e interesse seja apenas samba, carnaval e futebol, fazendo parecer que vivemos constantemente desligados do que há no mundo lá fora. Reparem que o samba está presente em todos os momentos na trama, sendo até dois personagens (embora engraçados) sambistas natos. E nem nisso Saldanha é feliz, fazendo uso de uma trilha sonora com canções óbvias até mesmo para quem é de fora.

E é claro que o futebol e o carnaval não poderiam faltar. Há a cena onde num suposto jogo bastante monótono de Brasil x Argentina em pleno carnaval, todos ficam hipnotizados e colam a cara na TV, até mesmo dois dos bandidos da história que esquecem parte de seus afazeres em função do jogo. E o carnaval vem com o único propósito de ser só mais uma característica do país explorada como cartão postal e propaganda turística.

O evento ficou tão sem propósito que uma enorme incoerência foi inserida no roteiro para justificar seu uso: os traficantes de aves, numa estratégia para fugir do país com seus animais roubados, camuflam uma van e fogem nada mais, nada menos que pela Marquês de Sapucaí. Tem um problema aí: por que eles decidiram fugir exatamente pelo lugar onde todos os holofotes do mundo estariam voltados? Aliás, com uma cidade inteira dentro de um sambódromo, por que não optar por qualquer caminho fora dali, chamando bem menos atenção?

Sem contar que há uma cena de péssimo gosto onde macacos roubam turistas no Cristo Redentor que não consigo imaginar qual foi a graça pretendida com um insulto desses (e muito menos a quem os babuínos faziam alusão).

Contudo, Rio também possui muitos méritos, especialmente na concepção de sua cenografia que é impecável preservando todos os seus detalhes, além de carregada de cores vivas na cidade e em seus pontos turísticos, contraposta pela quase predominância do cinza dando um ar de tristeza às suas favelas. Aliás, falando em cores, nada melhor do que explorá-las tendo acertadamente selecionado como personagens do filme aves, possibilitando assim trabalhar com uma infinidade de cores, já evidenciada logo na abertura do longa com um maravilhoso balé dos pássaros (em especial as araras vermelhas).

E não dá pra deixar de ressaltar o modo como os belíssimos pontos turísticos são apresentados, especialmente a visão panorâmica que temos do alto vendo o Cristo Redentor se revelando pouco a pouco.

Mérito de Saldanha também o fato dele ter tocado num ponto muito importante que deveríamos dar melhor atenção. Estou me referindo ao tráfico de aves (e animais como um todo), mostrando o quão revoltante e degradante é tal crime que passa despercebido por muitos. E mais inteligente ainda foi escolher como protagonistas a ararinha azul, a maior vítima dessa prática, estando próxima a extinção por isso.
Por fim, mesmo ficando muito longe de uma homenagem, Rio pelo menos consegue conferir seus 90 minutos de entretenimento. Conta com ótimos cartões postais, além de ser praticamente um comercial do tipo ‘Visite o Rio’, útil tanto para os estrangeiros, como para nós, pois o Rio de Janeiro que nos é apresentado é bastante diferente do que conhecemos na realidade.

Trailer - dublado

Sucker Punch - Mundo Surreal

sucker punch mundo surreal zack snyder

Nota: 7

Apesar de jovem, Zack Snyder já é um fenômeno no cinema atual. Simplesmente em seu primeiro filme como diretor ele reinventou por completo o gênero zumbi com Madrugada dos Mortos e criou verdadeiros sucessos de bilheteria e público com 300 e Watchmen. Sendo assim já era de se esperar um grande filme com Sucker Punch.
E nele, Snyder faz o que sabe de melhor: criar um incrível design de produção. Porém, assim como em seus outros títulos, esse incrível trabalho técnico vem acompanhado de um enredo fraco e sem muito conteúdo. Uma bobagem que diverte e nada mais que isso.

Em Sucker Punch, Babydoll (Emily Browning) é uma jovem que acabou de perder a mãe e que, sofrendo abusos do padrasto, tenta assassiná-lo matando acidentalmente sua irmã caçula. Internada num manicômio, ela tem cinco dias para fugir antes de ser lobotomizada. E para tal, Babydoll mergulha numa aventura num mundo paralelo onde deve conquistar cinco itens para fugir: um mapa, fogo, uma faca, uma chave e o quinto que é um mistério.

Falando assim parece até uma história bem simples. Porém, nesse mundo paralelo (que nada mais é do que um local que ela imagina enquanto dança) ela terá que enfrentar samurais gigantes com metralhadoras, dragões, robôs e – pasmem – nazistas zumbis. Complicou um pouco, não é?

A partir daí, parecia não haver outra saída para a produção conseguir inserir a protagonistas e suas amigas em tamanhas aventuras – incrivelmente sensacionais nas coreografias de ação e efeitos especiais. Contudo, transportando toda a ação do filme para um mundo imaginário, o diretor acaba reduzindo consideravelmente o interesse do espectador pelo desfecho de Babydoll e suas amigas, pois uma vez que tudo aquilo se passa na sua imaginação, com certeza nada de mal acontecerá, fazendo delas invencíveis enquanto nesse local.

Bem diferente do mundo real onde elas eram tratadas como verdadeiras escravas sexuais pelo administrador desse curioso sanatório que ao mesmo tempo funciona como uma espécie de bordel. Daí surge algo curioso, porque para evitar que a censura ao filme aumentasse, Snyder optou por fazer com que as internas apenas dançassem para seus clientes, quando nas entrelinhas era evidente que elas eram forçadas a fazer programas.

Até porque os figurinos das atrizes utilizam em praticamente todo o filme (nos dois mundos) são extremamente curtos e provocantes, minando quaisquer possibilidades de atenuar tal situação. E junto aos figurinos provocantes vem uma maquiagem que transformam todas elas em verdadeiras pin-ups, e o exagero em maquiagem é tão grande que nem mesmo o diretor do sanatório escapa de usá-la.

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Uma coisa que acaba incomodando bastante é a obsessão que Snyder tem com planos detalhes que na maioria dos casos são desnecessários, bem como nas câmeras lentas que mais servem para tirar a adrenalina da ação e alimentar o ego do diretor, do que apresentar algum ponto realmente relevante. E isso já vem dele desde 300, repetindo em Watchmen.

E mesmo já citado acima, o design de produção merece um parágrafo a parte. Zack Snyder é um verdadeiro mestre nisso! Em Sucker Punch ele cria um mundo real repleto de cores quentes apelando à sensualidade - assim como no bordel de Moulin Rouge - contrapostas com o mundo surreal no meio do nada quase monocromático, intencionando em não fazer o espectador se dispersar tentando identificar o cenário, mas sim se concentrar na ação.

Numa mistura de Matrix, Um Estranho no Ninho, Moulin Rouge e Senhor dos Anéis, Zack Snyder trás às telas um filme que é ótimo para os olhos, mas nem um pouco para o cérebro, sendo isento de qualquer conteúdo. Na verdade, Sucker Punch nada mais é do que uma fantasia de adolescente viciado em vídeo games (e o filme parece desenrolar em fases como num jogo) que ele finalmente conseguiu trazer para o cinema. Mas para quem busca diversão - como foi meu caso - vale muito à pena!

Trailer HD - legendado