sábado, 22 de janeiro de 2011

Além da Vida



NOTA: 10

Todo início de ano parece seguir o mesmo roteiro: dieta, IPVA, IPTU, chuva sem parar e os muito bem vindos filmes de Clint Eastwood. E 2011 não foi diferente.

Seu novo longa, Além da Vida, vem para ser o primeiro grande lançamento do ano. Uma obra muito bem executada por esse mestre que felizmente parece não se aposentar nunca.
No filme assistimos a três histórias que carregam uma semelhança entre si: em todas, de algum modo, há o contato direto ou indireto com a morte de um jeito que acaba mexendo para sempre com a vida de cada um de seus protagonistas.

Primeiro conhecemos a história de Cécile de France que interpreta uma jornalista francesa que é atingida pelo Tsunami numa viagem de férias às Filipinas. Lá, tem uma experiência de quase morte, decidindo provar ao mundo após esse acontecimento que a pós vida de fato existe; Matt Damon é um médium que possui a capacidade de conversar com os mortos. Recebendo muito dinheiro no passado por esse dom, mas ao mesmo tempo abrindo mão de qualquer chance de uma vida pessoal, ele abandona essa vida e se torna um operário; Jason e Marcus são dois jovens irmãos gêmeos que devido ao fato de possuírem uma mãe viciada acabam tendo um no outro seu apoio para serem felizes. Entretanto tudo muda quando Jason morre atropelado e Marcus não consegue mais seguir sua vida sem seu irmão.

Sempre contada exatamente na ordem citada acima, é interessante que quanto mais próximo chega o momento do encontro dos 3 personagens, menores ficam suas cenas individuais. Parece até uma espécie de contagem regressiva para este encontro inevitável.
Também é indescritivelmente impressionante a cena inicial do Tsunami devastando as Filipinas e o modo como suas vítimas o vivenciaram, muito mais dramático do que qualquer jornal poderia apresentar. Kurosawa dizia que nunca iniciava seus filmes com grandes cenas, pois o espectador ficaria esperando cada vez mais e chegaria um ponto que seria impossível agradá-lo. Mas nesse caso, mesmo não havendo tantas cenas espetaculares como esta, o restante do filme não deixa a desejar pois a trama de cada personagem é muito bem desenvolvida.

Das tramas todas a que me chama mais a atenção é a de Matt Damon. Com planos claustrofóbicos em sua casa nem é preciso dizer o quão solitário ele é. E dói ainda mais saber que por mais gentil e dedicado que seja, seu ‘dom’ questionável parece sempre pôr tudo por terra, evidenciado na cena em que ele perde uma possível companheira por descobrir um segredo muito íntimo dela revelado pelo seu falecido pai. E todos os trechos de Charles Dickens que ele ouve toda noite em seu audiobook o definem melhor do que qualquer roteiro.

Entretanto, o que realmente faz de Além da Vida um filme genial é o modo frio e neutro como Clint aborda o tema MORTE. Em nenhum momento nas suas quase duas horas e meia de filme a palavra deus ou quaisquer religiões sequer são citadas. E até mesmo a possível experiência dos personagens deixam lacunas para dúvidas. O que garante que o que a jornalista viu foi uma imagem produzida pela sua mente devido ao trauma sofrido? E o que garante que ao invés de médium, Matt na verdade possuía um poder telepático e acreditando que realmente se comunicava com os mortos, não fazia nada mais do que dizer o que seus clientes gostariam de ouvir?

É por abordar tão bem temas complexos e não ter medo de se aventurar em qualquer gênero que Clint Eastwood sempre inaugura o ano com obras primas (estou desconsiderando aqui Invictus e Gran Torino). E a julgar pela sua disposição de garoto aos 80 anos, não é de se admirar que por um bom tempo o cinema no Brasil seja presenteado todo início de ano com um ótimo filme.

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