sexta-feira, 19 de outubro de 2012

A Queda – As Últimas Horas de Hitler



NOTA: 10

O bom das semanas de poucas estreias nos cinemas é que permitem revisitar e escrever sobre grandes clássicos. Uma oportunidade rara, mas bem vinda. No passado já escrevi sobre O Rei Leão, A Lista de Schindler e Kill Bill. Hoje escrevo sobre um jovem clássico do cinema europeu (2005), A Queda – As Últimas Horas de Hitler.

Na Segunda Guerra Mundial, numa Alemanha quase toda dominada pelo exército soviético, o filme mostra os últimos dias de Hitler isolado em seu bunker, se recusando a fugir e reorganizar seu governo. No seu império outrora implacável, agora decadente, Hitler alterna suas emoções entre a ingenuidade à completa loucura, além de amargar o abandono e traição dos seus generais que o serviam com tanta lealdade.


Bastam os primeiros cinco minutos de A Queda para perceber o quão genial é aquela obra. Cinco candidatas a uma vaga de datilógrafa do próprio Hitler o aguardam para a entrevista. O local é um bunker apertado e cinza. Quando o líder nazista finalmente surge, toda aquela altivez, o ímpeto dos discursos fervorosos declamado por aquele homem imponentemente retratado pelas câmeras da cineasta Riefenstahl, são substituídos por um velho baixo, encurvado, visivelmente cansado e de fala mansa. Quando cumprimenta cada uma das candidatas, se mostra claramente incomodado pelas famosas saudações nazistas. E não bastasse isso, quando a primeira e tensa entrevistada erra a digitação do seu discurso, o füher gentilmente (você não leu errado) sugere que ambos recomecem o trabalho.


Essa é a premissa que o diretor Oliver Hirschbiegel emprega ao longo de toda sua obra. Sem querer inocentar, de forma alguma, o império de terror que foi o nazismo, e muito menos seus agentes, Oliver busca retratar que até mesmo monstros têm sentimentos e fraquezas, e com isso quebrar nossa visão maniqueísta de um mundo imaginário onde reina só a bondade, ou a maldade nas pessoas. É nesse paradoxo que vemos o casal Goebbels mata os próprios filhos com medo de uma Alemanha sem o nazismo; um médico da SS que tenta salvar as vidas ignoradas pelo seu próprio governo; ou mesmo o pai veterano de guerra, que conhece o terror daquele evento, tentando convencer seu filho, ainda uma criança, a deixar o exército alemão e voltar a ter uma infância normal (e com isso ele só cultiva o ódio e desprezo do garoto). Essas e mais uma série de sub tramas impecavelmente bem concebidas só vem pra reforçar ainda mais o trabalho de Oliver.

Não bastasse isso, A Queda ainda conta com uma das atuações mais impressionantes que já vi. Bruno Ganz consegue retratar a fraqueza de seu Hitler até mesmo no detalhe de uma mão trêmula tirando seus óculos. Mais impressionante ainda são suas explosões de fúria repentinas e duradouras, todas voltadas para seus generais traidores e preguiçosos. Numa delas (onde eles desobedecem uma ordem direta de seu líder) enquanto esbraveja, Hitler vai se curvando lentamente, terminando seu movimento numa posição quase fetal, mostrando sua completa vulnerabilidade sobre seus comandados, uma cena realmente tocante que acabou virando paródia no Youtube sobre os mais diversos temas.

Há também o excelente trabalho da montagem que pontua corretamente a trama principal com suas sub tramas, sem deixar nenhuma de lado e sem tirar o ritmo da narrativa.

E por fim, o que é mais impressionante (pelo menos pra mim) em A Queda é ver como Oliver consegue expor tão bem a figura mítica que aquele pequeno homem imprimia em seu povo, mostrando uma sucessão de suicídios de gente de todo o tipo, após o próprio Hitler por fim à sua vida.


Mesmo bem recente, A Queda se mostra uma obra-prima que vai ultrapassar o tempo, quebrando paradigmas, ideias pré-concebidas e mostrando que até mesmo um homem diretamente responsável pela morte de milhões de pessoas pode ter um coração, por mais que duvidem disso. O que de certa forma serve para expressar que a barbárie pode estar dentro de qualquer um de nós. Só a ousadia de Oliver já basta para elevar seu filme a esse status.

CONFIRA O TRAILER

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Ted - O filme mais polêmico do ano



Nota: 9

Em Kung Fu Panda, um velho provérbio chinês diz “Às vezes é tentando evitar um problema que acabamos por encontra-lo” e essa é uma frase perfeita para definir o recente episódio em que o deputado Protógenes Queiroz tentou barrar nos cinemas a exibição de Ted, a história da amizade entre um homem e um urso nada convencional. Antes da ação do deputado, Ted tinha tudo para ser um filme com uma bilheteria regular e sem deixar muita marca nos cinemas. Mas, após a tentativa de proibição, Ted registrou um estouro de bilheteria no Brasil fazendo o tiro de Protógenes sair pela culatra. Além disso, o longa é escrito e dirigido por Seth McFarlene, criador da série mundialmente famosa Uma Família da Pesada, carregada de humor ácido. Dessa forma era de se esperar que Ted não seria um conto de fadas.


Na história, John Bennett é uma criança solitária e sem amigos, até ganhar no natal de 1985 um urso de pelúcia do qual que ele batizou de Ted. Seu amor pelo brinquedo era tanto que certo dia ele desejou que ele ganhasse vida, no momento em que uma estrela cadente cortou os céus e...seu desejo foi realizado e Ted além de ganhar vida, se tornou seu amigo inseparável. Hoje, mesmo adultos, Benett e Ted parecem ter ficado presos à juventude, com atitudes que vão de festas ao consumo de drogas. Porém, a amizade de ambos está ameaçada por Lori (Mila Kunis de O Livro de Eli), noiva de John, a qual está disposta a deixar seu noivo caso ele não amadureça e deixe seu amigo urso, que o impede de amadurecer, no passado.

Bastam poucos minutos para perceber o tom ácido de todo o filme, ao ver garotos cristãos espancando um menino judeu porque era natal. Mas isso não é nada perto que vem pela frente. O roteiro de McFarlene está recheado de momentos como esse. O consumo de drogas é presença constante em quase todas as cenas em que Ted está presente. Fora as festas regadas à álcool, uma criança apagada com um soco de Benett (Mark Wahlberg de O Vencedor),as prostitutas e até mesmo um caso de Ted com Norah Jones


Mas apesar de polêmica, atrás de polêmica, Ted é um filme extremamente divertido, especialmente pelo seu protagonista claramente inspirado no Grande Lebowsky de Jeff Bridges. Mas o foco de Mcfarlene não é só fazer piada, mas através de Benett, fazer um retrato da Geração X que mesmo tendo membros chegando próximo dos 40 anos, ainda tem uma forte raiz na juventude. E não há melhor maneira de fazer isso colocando como seu melhor um brinquedo. Dessa forma, Ted é mais um reflexo da personalidade de Benett, do que seu amigo propriamente dito. Num gênero tão cheio de fórmulas e clichês como a comédia, McFarlene consegue inovar na originalidade de seu humor e inteligência crítica.

Por outro lado, o mesmo não acontece com o desenvolvimento da história e a dificuldade do roteirista/diretor de criar boas tramas. Lori e Ted se relacionam perfeitamente bem, sua antipatia pelo urso surge repentinamente numa conversa rápida da moça com personagens irrelevantes. Essa foi a forma que McFarlene encontrou para instaurar algum conflito na excelente relação do triângulo Ted, Benett e Lori. E acrescente a isso Donny, um personagem de olhar sombrio que quer comprar o urso de qualquer forma e é esquecido durante quase todo o filme, até reaparecer no seu fim para sequestrar Ted e assim dar algum clímax (por sinal decepcionante) à história. Mas para uma primeira experiência como diretor num longa metragem, pode-se dizer que McFarlene teve um saldo mais positivo do que negativo.


Negativo mesmo em Ted é a atitude do nosso ilustríssimo deputado Protógenes Queiroz, com sua ação (já revogada) de barrar o filme. Muito mais polêmico do que retratar sexo, drogas e rock and roll é censurar a arte, forma universal de expressão e ferramenta propulsora de mudança. Ademais, vai ao cinema quem quer, e nosso deputado convenceu muita gente a fazer isso.

CONFIRA O TRAILER