NOTA: 10
O bom das semanas de poucas estreias nos cinemas é que
permitem revisitar e escrever sobre grandes clássicos. Uma oportunidade rara,
mas bem vinda. No passado já escrevi sobre O Rei Leão, A Lista de Schindler e
Kill Bill. Hoje escrevo sobre um jovem clássico do cinema europeu (2005), A
Queda – As Últimas Horas de Hitler.
Na Segunda Guerra Mundial, numa Alemanha quase toda dominada
pelo exército soviético, o filme mostra os últimos dias de Hitler isolado em
seu bunker, se recusando a fugir e reorganizar seu governo. No seu império
outrora implacável, agora decadente, Hitler alterna suas emoções entre a
ingenuidade à completa loucura, além de amargar o abandono e traição dos seus
generais que o serviam com tanta lealdade.
Bastam os primeiros cinco minutos de A Queda para perceber o
quão genial é aquela obra. Cinco candidatas a uma vaga de datilógrafa do
próprio Hitler o aguardam para a entrevista. O local é um bunker apertado e
cinza. Quando o líder nazista finalmente surge, toda aquela altivez, o ímpeto
dos discursos fervorosos declamado por aquele homem imponentemente retratado
pelas câmeras da cineasta Riefenstahl, são substituídos por um velho baixo, encurvado,
visivelmente cansado e de fala mansa. Quando cumprimenta cada uma das
candidatas, se mostra claramente incomodado pelas famosas saudações nazistas. E
não bastasse isso, quando a primeira e tensa entrevistada erra a digitação do seu
discurso, o füher gentilmente (você não leu errado) sugere que ambos recomecem
o trabalho.
Essa é a premissa que o diretor Oliver Hirschbiegel emprega
ao longo de toda sua obra. Sem querer inocentar, de forma alguma, o império de
terror que foi o nazismo, e muito menos seus agentes, Oliver busca retratar que
até mesmo monstros têm sentimentos e fraquezas, e com isso quebrar nossa visão
maniqueísta de um mundo imaginário onde reina só a bondade, ou a maldade nas
pessoas. É nesse paradoxo que vemos o casal Goebbels mata os próprios filhos
com medo de uma Alemanha sem o nazismo; um médico da SS que tenta salvar as
vidas ignoradas pelo seu próprio governo; ou mesmo o pai veterano de guerra,
que conhece o terror daquele evento, tentando convencer seu filho, ainda uma
criança, a deixar o exército alemão e voltar a ter uma infância normal (e com
isso ele só cultiva o ódio e desprezo do garoto). Essas e mais uma série de sub
tramas impecavelmente bem concebidas só vem pra reforçar ainda mais o trabalho
de Oliver.

Há também o excelente trabalho da montagem que pontua
corretamente a trama principal com suas sub tramas, sem deixar nenhuma de lado
e sem tirar o ritmo da narrativa.
E por fim, o que é mais impressionante (pelo menos pra mim)
em A Queda é ver como Oliver consegue expor tão bem a figura mítica que aquele
pequeno homem imprimia em seu povo, mostrando uma sucessão de suicídios de
gente de todo o tipo, após o próprio Hitler por fim à sua vida.
Mesmo bem recente, A Queda se mostra uma obra-prima que vai
ultrapassar o tempo, quebrando paradigmas, ideias pré-concebidas e mostrando
que até mesmo um homem diretamente responsável pela morte de milhões de pessoas
pode ter um coração, por mais que duvidem disso. O que de certa forma serve
para expressar que a barbárie pode estar dentro de qualquer um de nós. Só a
ousadia de Oliver já basta para elevar seu filme a esse status.
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