
É impressionante como o fim do mundo parece ter contaminado o cinema de Hollywood. Nos últimos anos, vimos sua destruição (ou tentativa de) várias vezes. Filmes como Guerra dos Mundos, 2012 e Eu Sou a Lenda, sem contar com A Estrada que ainda vai estreiar, são só alguns dos muitos exemplos. Seja apontando desastres naturais, pandemias ou guerras, o tema central acaba sempre sendo o mesmo.
No filme dos irmãos Hughes não é diferente. Em O Livro de Eli, Denzel Washington interpreta Eli, um andarilho que trás consigo um único exemplar da Bíblia Sagrada vagando por todo um mundo pós-apocalíptico, onde o homem regressa a uma condição primitiva devido ao excesso de luz solar, derivada de uma explosão- metáfora à razão - que os cegou e destruiu, invertendo a ordem das coisas, onde o rato come o gato, e as trocas comerciais se fazem com escambo.
No entanto, seu livro, única fonte de salvação daquela civilização, é alvo dos interesses de um decadente mafioso interpretado por Gary Oldman, Carnegie, querendo usar a Bíblia como ferramenta de poder e dominação. Isso gera uma discussão interessante em relação à função dicotômica da religião na sociedade, desempenhando tanto o papel de destruição, quanto de salvação.
Com um roteiro de Gary Whitta pobre e muito falho na sua dinâmica e de certa forma bastante previsível, a narrativa tem até sua metade muita ação fazendo crer que será inteira de tirar o fôlego. Mas daí pra frente há um completo estado de estagnação, parecendo que de um filme de ação, repentinamente se torne um culto religioso. Outro detalhe, a suposta guerra que destruiu todo o planeta Terra foi iniciada devido ao poder maquiavelicamente exercido pela Bíblia, fazendo com que todos seus exemplares (exceto o de Eli) fossem destruídos. Porém, é difícil de engolir que uma instituição falida como a Igreja Católica, repleta de escândalos sobre pedofilia, tenha iniciado uma guerra, uma vez que seu poder hoje em dia está muito aquém do poder que exercia até a Idade Média.
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Mas para compensar a história fraca, há um trabalho magnífico em conjunto com a cenografia e a direção de arte do longa. A destruição do mundo foi tão intensa, carbonizando e poluindo tudo que mesmo filmado a cores o filme parece na maior parte do tempo ter sido filmado em preto e branco. Além disso, nas cenas de ação é feita a opção genial de usar o mínimo de cortes, enfatizando mais os combates em planos longos ao invés de tentar iludir o espectador tentando mostrar tudo e todos ao mesmo tempo. Observe na cena do combate do bar, como a câmera dá um giro em torno de Eli num único plano de toda luta, mostrando-o de todos os ângulos, ao invés de esgotar a cena com uma série de cortes secos.
Quanto a cenografia, talvez seja um dos pontos mais quentes do filme. As paisagens surrealistas criadas em computador são vastas e parecem não ter fim, tornando tudo uma coisa só. Reparem por exemplo, na cena em que Solara está caminhando sozinha na pista, logo depois de escapar de uma caverna: por mais que ela ande, nos dá a impressão de que não sai nunca do lugar. Também os poucos lugares habitáveis, são escuros, destruídos e tortuosos, com fortes características expressionistas. Isso sem falar na cidade dominada por Carnegie que lembra muito as pequenas cidades no meio do nada do Velho Oeste.
O mesmo não se pode dizer dos personagens. Eli parece até interessante no começo, roubando as botas de um cadáver, já deixando bem claro que trata-se de um anti-herói (inclusive nessa cena, um tropeço na sala nos dá uma pista de sua condição física que só será revelada no final). Também é impressionanate o quão sensorial e rápido ele é, evidenciado pela primeira cena de ação do longa, onde ele fareja os bandidos e os derruba numa questão de segundos (quem conseguiu enxergar ele cortando a mão do ladrão?). Impressiona também sua crueldade, pois não há uma razão explícita para matar lentamente um homem sem uma das mãos e, a partir de então, inofensivo. Porém, passadas as cenas de ação ele deixa de ser interessante, pois o roteiro não permite mais isso, preferindo torná-lo uma espécie de Moisés que é guiado pelo oeste há 30 anos (como é grande os EUA) por uma misteriosa voz do além, numa missão divina.
Solara então é uma personagem cuja única função no filme inteiro foi revelar a Carnegie que Eli portava a Bíblia, fora isso ela não fez mais nada, ou seja, ela é totalmente descartável na narrativa.

E o mais curioso do filme é o fato de o local da salvação do mundo ser exatamente um dos presídios mais famosos da história: Alcatraz. E, a Bíblia sendo impressa no tipógrafo é uma clara alusão à Guttenberg e sua revolucionária invenção, numa metáfora do recomeço daquela civilização. Quer dizer, recomeço até mais um "super-criativo" roteirista resolver destruir o planeta novamente.
NOTA: 5
CONFIRA O TRAILER (legendado)